AREIA BRANCA
Às vezes,
minha vida,
se esquece da vida
Esquece que somos,
Um.
Só,
Sol.
Põe-se a pairar,
Soberba.
Fica deserta.
Andar, andar, andar.
No longo tapete de areia branca.
É o que há.
Até, quiça, incendeie.
DOENÇA
Que peste,
tomou conta da cidade!
O pássaro
Pousa
no fino
Instante.
Desencapado Fio
Da descarga febril
Nele equilibra-se
Ferido,
O pássaro da vista anoitecida.
Seu canto de sensações
Sem cruzeiro
Ecoa cólera desmedida.
Prisioneira do momento perpetuo
A ave
Numa asa de vida
espreita,
o milagre do tempo.
CORPO SEMENTE
Corpo Semente
Fruto proibido
Diga ao que veio
Mostre o que sente.
DONA TONTA E O HOMEM QUE SABIA DE TUDO
(A espera do Sabiá)
Ele sabia
Se ia chover
Fazer sol
Tempo morno
Capa
Guarda-chuva
O que levar.
Ele sabia.
Onde estava o tesouro escondido
O mais novo planeta
Como fazer a comida rejuvenescedora.
O que dizer
O que fazer
Quando
Como
Por que
Ah, ele sabia.
Não era fácil,
Mas...
Ele sabia.
Até o placar do jogo do dia
Lá estava ele:
A apostar no azarão
E levar o bolão.
Quando
Civilizadamente
Pedia para conversar
A esperança despontava na casa da dona tonta
Via um homem
Camuflado em generosidade
De possibilidade rubra
Despontar.
Ela limpava a cera dos ouvidos
Arrumava o cabelo
Pintava a boca
Vestia uma bela roupa
E punha-se sentada,
em frente a ele, doida que só,
Para papear.
Ao primeiro ai de Dona Tonta,
O rubro nascente,
Subitamente,
Acinzentou-se.
O tempo fechara.
Viu-o
puxar a navalha.
E,
Num gesto perito
Cortar a paisagem infinita.
Dobrou-a em múltiplos papeizinhos,
instigando Dona Tonta a sortear.
Ela então abria um,
Dois, três, quatro e nada.
Nenhuma paisagem possível
Nenhum travesseiro,
Bala ou casaquinho
Pra descansar,
Se entreter,
Ficar quentinha.
Chora, chora, Dona Tonta,
não deixa de reclamar:
a espera do Sabiá.
ESCULTURA
O mexe-mexe
sexual
Trinca o mármore-corpo
No intermédio
A escultura
descoberta
Em carne,
Osso e
Fluidos
Despeja-se:
Dejetos de raiva remoída
Liquida no pranto o segredo
Expõe a perversidade
Na transparência da forma clássica.
Seus planos sorrateiros,
Agora evidentes,
vermelho carne.
Viva!
Tudo, tudo, tudo
Era tão careta
Certinho
Tudo, tudo, tudo,
Era tão sem jeito,
Perfeito-frágil
Num rebolado,
Numa rima,
É desfeito
Tudo,
Finalmente,
Feito gente.
Lançado no lixão,
o mármore entulho,
Essa escultura precária,
Ainda há de enfeitar,
Bem sei,
um canto da lembrança.
No mudo desencanto
Espanei todos os cantos
Fui catar o meu
Noutro canto
MARGARIDA
A sofrer o desatino
Do destino,
calculado espinho.
Sem água. No sol à pino.
Margarida do sol
Margarida da areia
A flor mártir do amor derradeiro
curva,
observa:
pétalas caídas
Essas que,
dela,
fizeram,
uma desejante margarida
Haja para-brisa!
Aquilo que,
outrora,
brisa
Por ora,
inunda as pálpebras.
Colinho e cafuné
Saudade da vó.
Saudade de você.
Faz um tempo que a gente não se vê...
Esses dias,
pela primeira vez,
pensei que não me fazia falta.
Política...
É mesmo coisa do demônio!
Foi por conta dela,
que veio esse pensamento,
Insano!
Certa de que você
estaria
defendendo Aecinho (!)
- no diminutivo, mesmo, como gostava de dizer -
e seu bando!
Pois é, errei!
Tanta falta você me faz!
Poderia vir,
agora,
com Aecinho
Maluf,
E outros tantos mais!
O diabo a quatro, cinco, seis...
Hoje tanto faz!
Com teu colinho
e cafuné
Não tem corja que não dê no pé:
Toda essa gente macabra
se transforma,
em anjinho de conto de fadas.
Qualquer dia Alegria
Quantos caminhos
Tantos fundos
Fundilhos infundados
Transbordam do corpo
pulso
esperança: inseto da asa quebrada
Onda caleidoscópica.
Mil e uma graças
No cálculo da mais vantajosa
Tiro-lhes toda troça,
Desgraço-as,
Breu de possibilidades
Aqui, acolá, tacacá.
Quem sabe, no Pará.
Qualquer dia alegria,
Do teu lado, vou-me deitar.
ESCARLATES ESTRELINHAS
(ou, esperança)
Pequenos alentos
Talentos do coração
Se deixar mordiscar
Ofertando-se sensações
As nuvens
Outrora de céu carregado
Dissipam-se
Petiscam,
Por fim os vivos,
escarlates estrelinhas
Quão crocantes são essas pequenas!
Quando cadentes,
Trato de guardar suas caveiras em caixinhas!
Do músculo vigoroso,
Esse mesmo,
Tão talentoso!
Datadas, com as caveiras identificadas,
O músculo,
Indica pergaminhos!
Futuro do Pretérito
O tempo que não veio
Que não virá.
Adormecido
Tempo ido.
Na certeza: o que não foi
Ali onde jaz a dúvida: o que virá
Os mais angustiados com o tempo em suspenso
Fizeram dele, ido.
Trataram de construir sua lápide, onde lia-se:
Tempo não vivido.
Mas como poderia uma cova sem corpo?
Não havia vestígios deste tempo morto.
Como matar um tempo não vivido?
Nos corações gramáticos,
O tempo reclamaria sua outra parte.
Esses escutavam
Em cada pulsação,
nas sôfregas suspiradas do dia-dia
O tempo morto
revirar-se
na tumba fria.
No mudo desencanto
Espanei todos os cantos.
Fui catar o meu,
Noutro canto.
ccc
ChocolateLaranja
O chocolate que não comi.
O doce de todo dia.
Hoje,
me obriga a rezar em outra cartilha:
Laranja, só dá ela por essas bandas.
O cacau de outrora...
Fez-se memória.
Fóssil só resgatável por arqueólogos,
esta relíquia do passado,
menino dos olhos,
já foi de vida fácil,
safado.
Trocado por qualquer moedinha
o sedutor das bocas sedentas
vendia-se:
chocolate em cada esquina.
Satisfação de todos:
do cliente e cafetão,
ao mais distraído passante,
Não havia aquele que...
No seu doce infinito,
não se derretesse...
Sem esquina ou cafetões,
na paisagem de tantos verdes...
Onde?
0nde o marrom do cacau só existe nas rochas,
e o branco chocolate nas nuvens,
a saliva ininterrupta da lembrança,
chove cântaros.
Mistura-se no sumo da laranja.
Só dá ela,
por essas bandas.
APEGO
Apego
Te pego
Desprevenido na esquina
Você,
Sempre receptivo,
dandado!
Me envolve no teu abraço.
Uma cervejinha no boteco.
O papo fica tenso.
DR daquelas...
Te mando pra escanteio.
E você?
Vai nada!
Faz promessa de eternidade,
tua marca,
um gol de placa.
Apego!
O grisalho senhor da eternidade.
O vampiro elegante,
Que tudo sabe, porque tudo viveu.
Você, Apego!
Que cravou teus dentes pontiagudos na terra
E suga-lhe a seiva.
Me convenceu que assim era mais belo,
Porque nunca morre,
Porque eterno.
Orienta:
Olhos no retrivisor!
Retira-nos o presente,
o futuro,
Faz do passado, pra sempre
Mas eu,
Apego,
eu tenho contigo caso de longa data,
Sou gata escaldada.
Sei que quando cedo ao seu encanto
Acordo,
no outro dia,
de consciência pesada.
Conheço tua febre,
Tua doença auto-imune: o desencanto.
Começo a provocar-te,
Esbravejo desencantamento,
Pra ver se você,
meu caro,
dá um tempo!
Te ponho cabisbaixo, fico aliviada...
E não é que você, Apego,
Depois de me dar uma folga,
Lança o anzol encantado,
Onde lê-se, na isca, sereia.
Eu, presa. Que desassossego!
Notícias
Meu amor é papo reto.
Aprendeu a negociar já com cabelo grisalho
Não perdeu o hábito de anunciar.
Há tempos atrás a notícia chegava de para-quedas
Às vezes, no pouso, me derrubava.
Outras, mais,
me deixavam ainda com pouco ar
Eu,
punha-me a lutar
Encarava o desafio.
Que outro jeito teria!
De rasgar aquela lona
Pra inspirar algum ar.
Hoje as notícias chegam de balão
O tom não é tão aventureiro mais de passeio
São gestadas no clarão do fogo
E cozidas na estufa da lona
Em ritual público que dura o tempo do balão despontar
Quando, então, no horizonte vasto,
É a notícia pronunciada
pra mim
a amada
não como declaração
é aviso, que me faz perder o chão.
Que perigo, olha a altura do balão!